quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Ka Nalu Nuí

O velho pontão está diferente. Descaracterizado. Uma estrada de cimento aplainou a caótica ordenação de rochas gigantescas, que grande gozo nos davam testar o equilíbrio (de salto em salto) com pranchas e pés-de-pato nas mãos, mochila ás costas e muitas, muitas vezes de cabeça cheia...
Era religioso. Sair das aulas, chegar a casa e comer qualquer coisa, ver o teletexto para saber o tamanho e a orientação da ondulação (não havendo net este era o nosso método de previsão, falível comó caraças!) e telefonar em euforia para outro viciado em adrenalina. Transportes publicos cheios, expectativas no auge para podermos ver se "havia mar". Estupidez...mar há sempre. Mas para nós não. Tinha de ser aquele, o especial, o perfeitinho (fosse grande ou pequeno, os pulmões e os tomates inconscientes daquela idade não nos deixavam vacilar), o clássico com direito a spray e tudo!! Depois vinha o ritual de escondermos as roupas e os pertences nas rochas e o ridículo aquecimento que só nos dava para rir mais um bocado antes de entrarmos no nosso mundo. Enfim a paz. A comunhão com os elementos, os silêncios de concentração para não ser surpreendido por um set mais recuado, a sobrevivência. Porque os sustos foram muitos e os erros pagavam-se caro, aprendemos a interiorizar a velha máxima de não brincar com ele. Respeitá-lo. Afinal, é o preço que se paga para poder viver tudo o que nos oferece... No fim, assistir ao pôr-do-Sol dentro de água, ver a grande cidade lá ao fundo e o cabo Espichel do outro lado eram recompensas suficientes para os corpos cansados e espancados pela espuma.
-So mais uma, so mais uma!Esta veio so p´ra mim!
Estas eram geralmente as ultimas palavras antes de irmos para o desconforto. Tirar aqueles fatos (velhinhos e gastos do uso) no meio das rochas (ou ás vezes de baixo dos prédios, quando chovia) era uma tarefa de loucos e demorava eternidades. Ainda passávamos pelos churros com chocolate e farturas antes de apanharmos mais uma camioneta com ar de extraterrestres (todos desgrenhados, atafulhados de material...) vindos do planeta NãoSintoOsPésMasNãoMeInteressaNadaPorqueApannheiUmGrandaTubo.
Depois era chegar a casa e muitas vezes ter de esconder as coisas nas escadas para evitar perguntas incómodas.
Hoje tenho o conforto de um carro quando vou até á praia e até me visto e dispo a ouvir música...mas tenho saudades daquele pontão e das suas rochas agrestes.


Ao Gil, que desistiu de procurá-la...
posted by P.A., 7:07 da tarde

2 Comments:

É bom saber que tu não desististe..
commented by Anonymous Anónimo, 9:20 da tarde  
Quem corre por gosto não cansa...
O mar é brutalmente maravilhoso...
commented by Blogger Slope, 12:16 da manhã  

Add a comment