quinta-feira, novembro 30, 2006

2 a HB




eram dois tão dois num só.
escreviam o seu destino em estradas oblongas, quimera de horizontes.
respiravam sonhos comuns, sorviam palavras bonitas na noite, encolherados.
mas mais não descrevo porque a felicidade é previsível...

nos corpos de grafite que eram, na fragilidade dos seus gestos temiam
as quebras das juras, dos pactos, das simbioses cósmicas.
querer não ter medo, implica ver herois ao espelho...
e mais não digo porque sempre escrevi com demasiada força.

esculpidos em arte azul, os deuses abençoaram o caminho dos ousados.
eram dois tão dois num só,
marcaram-se a lápis na vida-folha, e gastos, viraram pó...
e digo mais.

acreditar no amor não tem mal, mas amar quem não acredita é uma maldição.



Nota: peça feita por: Willard Wigan (+ uma vez, obrigado Gi)
posted by P.A., 1:00 da manhã | link | 7 comments |

quarta-feira, novembro 22, 2006

pena ao vento

Foi naquele dia que percebi que as coisas seriam diferentes. Ela chegou estranha, agressiva mesmo. Tudo era motivo para reacções de repulsa, nunca mais esqueço aqueles gestos, e eu confesso que não entendi o porquê da falta de carinho, da ausência da peça de caça já inerte...pronta a comer. Parecia-me que pedir já não era opção. Tinha noção de que o meu tamanho já usurpava grande parte do ninho, cada vez que olhavam para a crescente desenvoltura do meu corpo sentia-lhes o brilho no olhar. Nunca cheguei a perceber no entanto, se era um misto de alegria e tristeza, ou apenas orgulho na genética.
Até aquele dia...

Na bolha que me protegia do mundo, tudo era perfeito, e a eles lhes devia o conforto de poder ser. Apenas ser e nada fazer para o merecer. Nascemos de graça, todos, e a vida ensina-nos a pagar por isso. Mesmo nessa inocência aveludada, sempre idolatrei o elemento onde eles se moviam, a própria geometria das minhas formas me indicavam o perfume do voo, o aerodinamismo nos sonhos. Desafiei, uma e outra vez, a miragem da distância ao solo, arrepiei-me com a incapacidade de tal suicidio. Gostava de os ver, lá em cima. Esticava as minhas asas e prolongava a imaginação nos seus movimentos cada vez mais fortes, mas sempre na presença do medo do Grande Salto. O mito era grande. Os meus irmão contavam-me horriveis estórias dos que não concretizaram o acto de sustentação e a gravidade tirou os seus dividendos.
Entre um coelho tenrinho ou um rato almiscarado, ela dizia-me que o Grande Salto era a coisa mais importante que iria fazer na vida. Sempre com a candura que nos conforta a alma...sempre falando como se o momento certo fosse longe, tão tão longe.
Até aquele dia.

No desespero da indiferença a que fui votado, comecei institivamente a dirigir-me para um ponto de fuga. Não era bem-vindo no meu lar. A amálgama de paus e musgo que me viu nascer agora sentia-se fria e desconfortável.
O seu olhar permanecia vitreo. Já não eram precisos gestos. Percebi que o Grande Salto estava próximo. O Grande Salto. Acerquei-me da ultima extremidade de terra onde sempre soltei as ganas de querer o impossível. Hoje iria ser o meu próprio heroi, o guerreiro que trava a batalha só, depois de todo o exercito o ter abandonado. O meu exercito era aquela segurança de patas no solo. As minhas armas tinham crescido, tornando-se letais o suficiente para matar medos. A batalha...esta vertigem interminável alimentada por ventos e um vazio magnético com sabor a fim.
Explorei mais uma vez os movimentos que observei ávidamente, fechei olhos e senti uma força em crescendo dentro de mim. Ainda olhei para trás uma ultima vez. Juro, juro que vi um sorriso triste. Um dia percebê-lo-ei. Não tenho grande percepção do que se passou nos instantes seguintes, foi um impulso (físico, mas sobretudo mental), uma queda desamparada, um corpo que reagiu automático e ensinado por instinto...como se sempre o soubesse, como se sempre soubesse que não há impossíveis. Depois? Fui heroi no primeiro dia da minha vida como adulto.
Aquele dia...
posted by P.A., 11:34 da tarde | link | 3 comments |

terça-feira, novembro 21, 2006

o PArvo tem nova cara

Já era tempo deste espaço ganhar novo fôlego, de perder a timidez na côr e a escassez nas linhas.
Não que seja altura de balanço nem vontade de crescer, e não prometo mudanças no sumo...pois a campanha é a mesma e o ditador não morreu.
Mas mudar é bom.
Obrigado ao mágico que tornou a obra possível. asciiker rules!!
posted by P.A., 7:05 da tarde | link | 3 comments |

quinta-feira, novembro 16, 2006

arrepio

Hoje. Esta noite.
vai anunciar-se o beijo na lua escondida.
vão as mãos enraizar-se no monólogo da letra A.
vai o olhar ter brilho menino.
vão um e um ser muitos, tantos os que gostam.

porque...hoje, esta noite, está fadada a ser apenas mais uma onde os sons nos iluminam a base da nuca, os vultos recriam-se para se tornarem anjos, e as partilhas nos dão identidade.

Que nasça a noite.
posted by P.A., 6:59 da tarde | link | 5 comments |

quarta-feira, novembro 15, 2006

Little Miss Sunshine



Imagine-se o prato mais batido de todas as tascas de esquina.
Imagine-se o Bitoque. Não se pode fugir ao bife com arroz e batatas e ovo a cavalo, não se pode fugir a essa previsibilidade degustativa, sabemos ao que vamos.
Assim é o cartaz deste filme. Cheira a vulgaridade, a mais uma banal comédia revelando as ridículas peripécias de uma família em viagem. Uma espécie de "road trip" versão familiar. E então começa o espanto das personagens meticulosamente esculpidas, dos desencontros nos diálogos e dos infernos disfuncionais que sobrevivem debaixo de um tecto a que chamamos lar.
Aqui o tecto é personificado numa carrinha que por si também tem algo a dizer, as suas susceptilidades criam a atmosfera do imprevisto, surreal o suficiente para soltar os nervos de mais uma discussão.
O elo que une esta familia é a ingenuidade da palavra sucesso, que carrega às costas a tolerância de um dia-a-dia repleto de falsidades. Existe qualquer coisa de metamorfose kafkiana no terminus deste filme. Faz-nos pensar que o conceito de normalidade foi inventado por um perfeito freak.
Para rir, muito.
Com vontade de sermos ainda mais humanos no erro.


p.s. - provavelmente a associação de ideias será descabida, mas gosto de pensar que "Little Miss Sunshine" questiona muito a maneira como comunicamos com quem gostamos.
Fascinemo-nos então, aqui (grazie mille Gi).
posted by P.A., 3:16 da manhã | link | 2 comments |

mar verde


foto: R.C.




- Eras tu, naquele dia?
- Sim.
- Porque me observavas? Porque não me vieste falar?
- Gosto da chuva, sabes? Perturba-me a clareza de espírito como se me diluísse e deixasse de ser...qualquer coisa. Aquilo que viste não era eu, minto-te. Era mais uma gota..(riso)
- Não sei porque brincas. Já não te conheço, foges do que amei de uma forma absurda. Não percebo.
- Faria diferença se o tivesse feito? Se o meu rosto molhado te dissesse mais uma vez aquilo que querias ouvir? Preenchesse os espaços onde a água não passa com um silêncio falado? O que é isto senão mais um jogo do mata onde páras bem no meio do pátio. Tou farto. Amuo e já não quero jogar mais.
- És um cobarde. Amostra de homem. Queres ou não queres, sentes ou não sentes? Permite-me a honestidade de uma fuga, ao menos. São outras, as coisas que queres. Anulei-te, é isso?
- Nada disso. Construiste-me. Construiste-nos. Agora lida com o que criaste.
- E o amor, não conta para nada?
- O amor é uma canção feita por um naufrago prestes a endoidecer. Olha para mim e diz que tens vontade de me beijar como se não conseguisses respirar...sem o sabor dos meus lábios.
- És perverso, sabes disso. No dia em que acordar e ver-te ao meu lado me provoque nauseas, esse será o dia em que sentirás o meu ultimo beijo. Hoje não é esse dia. Hoje quero ouvir-te, quero que me digas o que se passa aí dentro, quero que me fales de paixão, quero que me fales do desconforto que sentes no conforto, quero amar cada trejeito das tuas rugas enquanto o fazes...estou exangue por te compreender e deixar que entres dentro de mim. A vontade de aumentar a nossa esfera presiste. Faz sentido.
- Entao e...(limpa a lágrima enquanto a ouve... olhos no fumo do cigarro que sobe, turbolento) não eramos duas metades do mesmo? Sem ti, nada?
- Não. Mar verde. Azul da água com o amarelo da areia...
- Gosto que sejamos salgados...é bom.
posted by P.A., 1:48 da manhã | link | 4 comments |