segunda-feira, março 31, 2008

Carta ao Zé.



Já contei mais de mil luas desde que partiste. Mil não são, mais milhares iguais às lágrimas que derramo pelo teu regresso.
Estou triste amor. Nesse mar que é nosso não encontro mais do que solidão. Sei que assim trazes o pão para nós. Pão de mar. Estou a endoidecer, eu sei, não há mais do que peixe nesse mundo de sal, mas tu percebes-me...precisava de te ouvir rir quando digo este disparates. Gostava de te contar coisas parvas, a vida aqui na vila está em suspenso à vossa espera, mas tudo finge ser igual. Rezamos por vós em casa. No café e no mercado, ao parapeito da janela e na mesa da sueca dos velhos, há sempre a velha regra do marinheiro: Só com Deus Nosso Senhor mostramos o medo. Para que voltem.
Vou deixar esta carta no pontão, junto a todas as outras que não podes receber, mesmo lá na ponta, naquela rocha onde me deste a mão e pedisses que fosse tua. Lindo serviço senhor José, amarrares-me o coração com nó de lás-de-guia para teres a certeza de não folgar...meu amor, tenho tanto para te contar.
O Doutor diz que desta vez será um menino.
Já te imagino a contares-lhe as tuas historias , de mãos gretadas pelo sol e pelo sal a beliscar-lhe as bochechas...vais ser heroi e capitão, vais ensinar-lhe como se apanha um tubarão.
Quero que venhas de pressa para que ele nasça contigo aqui.
Já contei mais de mil luas desde que partiste e o horizonte ainda não te vê...
posted by P.A., 2:03 da manhã | link | 2 comments |
...de mansinho.
Pedaço de coisa nenhuma, cristal partido outrora centro de mesa (gloria de napron com renda desfiada), fósforo queimado já inútil, beco com nome de general, pessoa sem nome como puzzle sem a derradeira peça, olhar inexpressivo de cachorro no momento do abandono...inverosímil.
Podes tu acreditar em tudo o que sentes?
Sentiste o silêncio?
Nunca tão forte, tão digno de existir como arma de arremesso a um mundo de gritantes banalidades...e não digo isto achando ter uma cor diferente, nada disso.
Banal silêncio em estagnado lago de torpes trutas. Incansáveis no regresso à origem.
No momento em que o absurdo preencheu os espaços da voz, e sobretudo o silêncio falou mais alto...faço de truta.
Regresso à origem.
posted by P.A., 1:28 da manhã | link | 0 comments |