domingo, março 26, 2006

Um uivo triste

Percorríamos o cercado na esperança de avistar os olhos topázio do Prado, um macho alfa que gosta de se exibir perante os bípedes estranhos. Dizem que quem vê pela primeira vez o olhar de um lobo nunca mais esquece aquela intensidade bruta e crua algo que nos trespassa de medos inconscientes. As explicações da pequena e apaixonada bióloga recorriam a analogias certeiras sobre a sociedade dos lobos e a nossa. As hierarquias, os dominantes Alfas e os acessores Betas, as regras na alimentação e os descriminados e sofredores Ómegas. Fascinante. Mas onde estavam eles? Sabendo que são esquivos e evitam o nosso contacto, cedo fomos avisados que as hipóteses eram escassas, mas eu não desmorecia, vasculhava na densidade da vegetação um possível vulto que me observasse de uma toca, um uivo, qualquer vestígio que me colocasse na frágil posição de observador de algo verdadeiramente selvagem. De lendas e estórias todos construímos uma imagem do lobo como um respeitável predador, de pesadelos de criança e holiwoodescas películas habituamo-nos a vê-lo como uma cratura vil e sanguinária. Eu ansiava o arrepio na espinha quando enfim o confronto fosse real. Enfim morto o mito do uivar à lua cheia (os lobos uivam em qualquer altura, é apenas uma forma de comunicação, e isto não significa que não seja complexa), e desiludidos com expectativas goradas, foi-nos concedida a benece de irmos observar um cercado de quarenta, mais pequenos e reservados a animais isolados por razões especiais. Ao aproximarmo-nos, sobrepôs-se ao tom de voz da guia um lânguido e longo som ténue que parecia esmorecer-se no ar à medida que desaparecia. Um uivo. Era isto? Rapidamente ela explicou-nos que pertencia a um macho juvenil que tinha sido recuperado de um camponês que o tinha acorrentado desde pequeno, como se de um cão se tratasse. Era um animal acossado, esquivo e subdesenvolvido para a idade, que quando foi inserido numa das alcateias rapidamente foi (des)promovido à díficil condição de Ómega. Chegando a uns dez metros da rede conseguimos avistá-lo. Pouco maior que um cão, estava deitado no meio da vegetação e encontravava-se longe o suficiente para nem conseguir uma foto decente. O som que saía quando erguia a cabeça em direcção ao céu era gelado e triste. Tão, mas tão triste que parecia um lamento desgostoso. O chamamanto de um lobo normalmente pode ser ouvido a 5 km de distância, mas este diluia-se no chilrear dos pássaros do final da tarde. Era como se carpisse a sua existência. Regressei a casa com aquela imagem a povoar-me os pensamentos e com a vontade de voltar, ajudar e aprender. Gostava que aquela voz ganhasse força.

Para conhecer melhor, aqui.
posted by P.A., 7:14 da tarde

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