sábado, abril 08, 2006
Eles AINDA têm um Rei...
No vidro do carro fotografo com o olhar a paisagem que corre lá fora. País de contrastes este. De uma urbe descontrolada e regiões pulvilhadas de casas cedo chegamos às vastas planícies alentejanas, onde o sobreiro toma o seu lugar e o verde pulvilhado de amarelos, violetas e brancos formam uma aura de rebeldia floral, como se a ordem das coisas só tivesse que responder perante o belo. Rapidamente nos encontramos em territorio estrangeiro. Quase sem dar por isso. Os nomes mudam, as cores mudam, a arquitectura das cidades deixa de obedecer às regras lusas. Venha a língua matraqueada, rápida e incisiva, a atmosfera de um quotidiano diferente, em que existem duas horas a meio do dia dedicadas ao descanço, à bendita siesta. Somos assim tão diferentes? Orgulhosos das nossas conquistas, amantes da nossa pátria, da nossa identidade...mas somos mesmo assim tão diferentes? Ali observo os mesmos hábitos do bom comer, da existência prazeirosa, da vida quente do Sul e do sol. Os mesmos carros parados em segunda fila, os mesmos cigarros fumados em esplanadas acompanhados de cerveja fresca, as mesmas mulheres bonitas certas dos olhares que as miram... Talvez lá em cima lutem pela notoriedade Cervantes e Camões, Pessoa e Lorca, Dalí e Amadeu de Souza Cardoso, mas que interessa isso para alma de dois povos que de tão próximos, tão diferente é o seu modo de encarar a vida? Temos mais mar, mais desespero e saudade...mais nostalgia no sangue. A fiesta move-lhes o espírito, o positivismo é bem mais evidenciado no seu dia-a-dia. Podería conjecturar sobre políticas diferentes de colonialismo, na altura em que o mundo foi dividido ao meio por nós, mas creio que é mais do que isso. É na pequenez do nosso espaço, nas esperanças e no terreno físico, na imensidão da nossa melancolia, no nosso horizonte salgado que fazemos a diferença. Somos grandes por não o sermos. E susceptíveis...pouco existe que mais nos irrite do que falarmos a nossa língua e ouvirmos um ignorante - "no te entiendo!". Dá vontade de ripostar com sotaque - "Olha, então vai à mierda...Balle?"
posted by P.A., 2:03 da tarde