quarta-feira, setembro 27, 2006

o fado de Taku

Tenho porte de samurai, é pela maneira como apanho o cabelo num rabicho estranho, e não por ter imagem de guerrilheiro. Pelo contrário. Se aos homens de guerra se lhes afigura um carácter fechado, duro, compenetrado, pois eu sou o oposto. Tenho um sorriso fácil, quero mostrar a todos os que me rodeiam que não escondo o sabre debaixo das vestes, a arma mais exposta que tenho é a vontade de agradar, de me fundir neste povo com que criei empatia. Estranho, não? Porém simples.
Ouvi em tempos uma senhora de xaile preto a entoar uns sons tristes, com uma voz sobrenatural que quase petrificava, e me disseram ser a alma de um país distante. Encontrei semelhanças com as raízes do meu pedaço de terra nativo e aquela comichão no fundo daquilo que sempre fui, perpetuada naquela música, agudizou-se. Lá no Japão sirvo à mesa num restaurante e canto. Aqui aprendi que também consigo cantar com sentimento, com sal, numa lingua que ainda não me é totalmente familiar.
Estudei e falo com a dificuldade típica de quem saber mais palavras, sorver-lhes a essência, atirá-las em jeito certeiro, fluir no entendimento para captar o sumo de ser luso, a nostalgia desta gente de mar e saudade.
Apenas bebo água antes do Sr João desmaiar as luzes e as guitarras começarem o trinado.
Canto o fado.
Falo de amor de olhos cerrados e acedito no que canto, é como cantar para acreditar...que sou um de vós. Sei que vou partir em breve, juntar dinheiro para voltar de novo. Mas agora canto o fado. Respiro o fado. "É tão fadista aquele que canta, como aquele que sabe escutar." anuncia o azulejo perdido nas paredes cheias de fotografias de outros castiços. Nesta tasca afamadamente perdida no bairro dos bons-vivans, sou reconhecido por artistas das mesmas lides. Como eles e os outros que também o são mas que não cantam, fecho os olhos quando a guitarra dança e a voz se abre para o silêncio dos que alimentam o espírito.
Nós, os japoneses, somos como vós, não gostamos de falar sobre o que sentimos.
Para isso temos a música. Gosto de fado.
posted by P.A., 2:51 da manhã

2 Comments:

tão bonito que arrepia. este é daqueles textos que eu mandava para um jornal ou quem sabe uma editora... merecia tanto que o mundo o lesse.
commented by Blogger colher de chá, 1:55 da tarde  
A essência está toda lá - perfeito. E, não se lê apenas, saboreiam-se as palavras. Já te tinha dito que tens um dom?!?
commented by Anonymous Anónimo, 6:48 da tarde  

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