domingo, outubro 29, 2006

A esfera

Como se já soubesse que o cinzento fosse a cor predominante neste matiz de emoções, pintei-me de azul para não defraudar expectativas, avancei dois passos à frente daquilo que senti, prolonguei o doce na ponta da lingua...ignorei outros travos.

Nada nos faz pensar que a imperfeição é perfeita, racionalizem-se as conjecturas, pesem-se os medos e anseios, cremos sempre nesse azul. Eterno aprendiz será aquele que se quer espantar com a aurora, embora sabendo que a nostalgia terá o seu triunfo no pôr-do-sol. Não posso julgar, descriminar ou sintetizar como alquimista toda esta gama de pessimismo que me causa rubor. Assim me tornei. Assim estou. Falo de muros, barreiras, fortalezas, todas elas defesas com tuneis secretos que não desvendo. Entram por mim aqueles que os conhecem com a habilidade do mais puro dos ladrões, plano feito, ardilosos seres que me toldam o discernimento. Se eu deixo? Pois vejo que sim. Depois queria não ter visto.

Esta esfera que tem um eixo, "O eixo", tem a opacidade de vidro fosco, dissimula no seu interior àcidos corrosivos a dependencias perfumadas a paixão. Incontornável. Poderia falar desse vício, mas em tal pote de fel não me vou expandir. Esta esfera tem que definir o seu raio, tenho de recriar o mote para o seu significado e a todos os momentos o faço, enraizado nas minhas certezas. Falem-me de tacanhez ou clausura, mas nada é mais justo em nós do que a honestidade perante o que julgamos ser, e a imagem que no espelho me diz ser outro, é a que o mundo diz ser quem sou. Não me interesso. Volto para dentro de mim, feliz com a vontade de aumentar o meu espaço interior. Quero acreditar que nunca deixei de dar mais razão ao que sinto do que aquilo que penso. Volto para dentro de mim, ignorante na arte de trabalhar um amor, esperançoso que esta linha referencial fará sentido a alguém.

(Hoje ouvi-me falar alto dentro de mim, quis escutar as palavras profetizadas pelo coração mas outros ruidos emudeceram os gritos)

Descanço.
Recolho-me.
Protejo-me.
Ganho inércia para a viagem.
Tenho mantimentos para uma vida inteira, se assim tiver de o ser.
posted by P.A., 3:07 da manhã

4 Comments:

Hei, não te feches em ti mesmo...
Tenho um colo onde podes repousar a tua cabeça, enquanto silenciosamente te acarinho o rosto.
commented by Anonymous Anónimo, 10:39 da manhã  
bom conselho, anonymous ;)
commented by Blogger colher de chá, 12:22 da manhã  
Gostei de ler :O)
Só não percebo o nome do blog. Parvo porquê? Vejo a soma de letras em palavras com conteúdo ;-)
Gi
commented by Blogger Gi, 1:21 da manhã  
...longa é mano...a viagem! Mantimentos não te faltam, seguro que és do que tens dentro e não mostra o espelho... o mundo diz o que quer, é vasto e cheio de pares de olhos, alguns,coitados, zarolhos. Outros, por Zeus, só o reflexo vêem, seguros que estão, os infelizes, de que o que vêem é o que É! Viva o Azul, viva todo o azul dum céu imenso que não alcançamos por ângulo de visão defeituoso... ás vezes, só olhar em frente dá-nos torcicolos, e acreditamos que à frente (espelho) temos quem somos...Faz bem olhar para cima...e parar de andar para não tropeçar...perdermo-nos no imenso azul que nos deram por tecto. E pôrra...é bonito!... mas o cinzento é nosso, também...faz chover a água que não pode mais ser retida no branco algodão que limpa o céu! Não é feio, o cinzento...é preciso e bem-vindo, na sua côr de manta morta que fertiliza a terra! Porque somos inteiros, diagonais e paralelos oblíquamente à imagem reflectida em reflectoras superfícies...somos densos, de côr de células que rejujenescem a cada dia, regadas por algum cinzento-céu que as torna mais vermelhas-vivas que o eram.
Caminhando de mochila cheia...
Mantimentos não te faltarão!!!
commented by Anonymous Anónimo, 10:43 da tarde  

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