terça-feira, outubro 17, 2006

Altos voos por escuros vales

...não aguento. Não aguento!!
Quero chorar como na infância, quero aninhar-me de novo no colo materno, buscar a toca que me viu nascer e não olhar cá para fora, que se dane o mundo e estas estúpidas provas de coragem. Sinto-me suar por todos os poros, não quero anestesias, alcoois e químicos irão adormecer-me no caso da morte certa, sim...porque é hoje. Eu sinto-o. Está fadado para assim o ser. E tu, meu amor, vais acompanhar-me nesta descida aos infernos.
Permaneces calma e plácida, agarrando-me a mão sempre que esta merda estremece mais uma vez...
Juro que não consigo. Não sou homem, sou rato. Gostava de ser o teu heroi e morder o medo como quem massacra o labio já ensaguentado...mas neste bicho alado sou rato. Não quero continuar mais. Diz ao senhor que nos acolhe que já não quero voar mais, querida...já não quero ir para Tenerife. Se em 40 minutos do Porto aqui sofri tanto, nem quero aproximar-me dos vazios do atlântico.
Deixa-me olhar para baixo enquanto tu explicas o quanto eu sou cobarde por não aguentar, perco aqui e agora o meu cavalo branco de conquistador, e entrego-te as armas de quem governa o nosso pequeno reino. Eles não percebem. Não sabem que tu cuidas de mim e que aqui não há homem nem mulher, há duas metades do mesmo. E se o pânico que me estremece o corpo e avermelha os olhos é rasgado de real, então também tu o sentes, verdade?
Não?
Será que noto escárnio e desilusão na maneira como lhes comunicas que EU não consigo?
Que as nossas férias vão ser jogadas fora por um descontrolo infantil?
Como?!? Não somos reembolsados no caso de não querermos continuar?
Quem quer voar para a morte?
...
E o teu olhar continua a procurar respostas...triste forma de matéria inerte em que me transformei. Estou à tua mercê, amor. Já não sou aquele em que buscas força, preciso de ti para acreditar nesse que me diz sermos nós a principal razão de todos os receios.
Serzinho irritante...agora fala-me que o avião até é dos mais seguros porque é igual aos da TAP. Que me interessa isso? Não me abandones, por favor. Quero entrar dentro do teu ventre e chamar-te de mamã.
posted by P.A., 5:59 da manhã

3 Comments:

"aqui não há homem nem mulher...apenas duas metades do mesmo"... lindo.A completitude no seu expoente máximo...não ousaremos nós todos....poder falar assim....!?!
Mas quem é que não quer, nesta altura do ano, ir para Tenerife??..
commented by Anonymous Anónimo, 1:48 da tarde  
O bom de trabalhar com pessoas é chegar ao fim do dia e ter uma mão cheia de histórias para contar.
Conta-me mais..
commented by Anonymous Anónimo, 10:36 da tarde  
Ocorre-me algo e apetece-me divagar: o Medo, os medos, os medinhos são um tabu para o Homem na vida adulta.Quase sempre. É um sentimento "abandonado". Supostamente, deveria ser abandonado quando, de repente, "já se é um homenzinho" (sim, no que diz respeito às mulheres as fragilidades não são questionadas...facilmente). Depois, surge só como o "marginal", o sentimento indigente que assalta o coração apenas dos fracos e sensíveis. Na infância o Medo é um sentimento compreendido, desculpável, aceite - " o menino ainda não sabe nada da vida" (e por aí fora...).
Quando é que, afinal, se encontra essa verdade protectora do conhecimento da vida, quando é que se ganha essa impermeabilidade ao estranho, ao desconhecido...ao Medo (que muitos mostram ter). É um falso poder, é uma ilusão. Muitas vezes, por detrás do elmo da aparência de guerreiro bravo e destemido está uma criança cujo coração bate acelerado na ânsia de regressar ao conforto, ao descanso, ao abrigo da infância, ao "colo materno" de que falas.
No fundo, até acho que o Medo tem algo de corajoso. Deve ser respeitado.
Concedeste respeito a esse "herói" da autenticidade do medo ( não sei se me faço compreender...). Gostei, gostei muito. Mais uma história simples e tão inspiradora.
commented by Anonymous Anónimo, 11:02 da tarde  

Add a comment