quarta-feira, maio 03, 2006

Cinzento


Também é preciso, dizem alguns.
Lava-se a alma e espantam-se os espíritos, dizem outros.
Nunca fui apologista de me deixar apoderar por este tipo de sentimentos, sou por natureza um excessivo, tudo para mim tem de ser desmesurado, vermelho, vento forte, mar crespo. A tristeza é um lençol desprovido de cor, uma névoa que esconde o sol, um som em surdina numa orquestra em êxtase. Prefiro a raiva, o ódio, o orgulho de nunca baixar a cabeça, a glória de admitir erros, e PArvo como sou, não poderia deixar de o ser estando alegre a maior parte do tempo.
Mas hoje veio de mansinho, ignorou o dia bonito, passou ao lado das músicas e dos felizes sinais que o mundo emana quando a vida nos corre bem. Porque é disso que se trata. Porque tem de existir um mau-estar latente para nos deixarmos acercar das linhas negras da melancolia, o peso da cruz só tem significado para quem a quer carregar às costas.

Hoje estou triste.

Ganho coragem ao dizê-lo e permito-me a veleidade de o admitir a mim mesmo. Não. Admitir, não. Permitir. Guardo em mim há demasiado tempo este reservatório mental de angústia que aprendi a ignorar. A conviver com a sua ausência. A extinguir-lhe as manifestações. Foi um processo de sobrevivência, nada foi estudado nem premeditado e até o facto de ser este o estranho preço a pagar por uma auto-recriação me surpreende...mas hoje cedo. Hoje é o dia em que sou a vítima, o mendigo indigente, o albatroz sem mar.
Quero a languidez do pôr-do-sol, quero a letra e as notas azuis daquela coisa a que chamam de música mas que nesta altura tem o sabor salgado de uma lágrima, quero caminhar pela multidão sem tempo e olhar-lhes a existência, quero perder-me no passado e viver de novo tudo o que destruí com carinho, quero qualquer coisa forte nesta coisa amorfa e seca que esta no peito...dedicar-me a esta como se fosse a primeira e a última, esta tristeza.

Acredito que necessitamos de reviver sentimentos, assim como que para renovar o dom da surpresa. Estou feliz por conseguir estar triste de novo. Acho que é bom sinal...
posted by P.A., 12:38 da manhã

2 Comments:

A liberdade que nos concedemos é o primeiro passo para a felicidade. Não é uma busca, tão pouco é uma descoberta. É sim uma "permissão". Começa pelo permitirmo-nos - como tu fizeste - sentir em pleno sem restrições todas as emoções, venham da forma que vierem.

Aquilo que escreveste trouxe-me um cheiro a conforto. Gostei mesmo muito.
Mais uma vez obrigada pela partilha e desculpa pelo "inromper da porta" por onde se calhar não era suposto entrar.
commented by Blogger colher de chá, 8:13 da tarde  
Permito-te isso... mas só hoje ou de vez enquando, porque senão o meu coração fica apertadinho demais. :)
commented by Anonymous Anónimo, 8:50 da tarde  

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