segunda-feira, julho 31, 2006

O homem mais rico do mundo

Riqueza. O que faz um homem ser rico? O que faz um homem rico?

Brinca desmesuradamente com o seu filho, sorve-lhe os trejeitos e emociona-se com as semelhanças, educa na certeza de que aprendemos muito quando erramos, é presente, passado e futuro de uma existência em crescendo.

Calcorreia o espaço que o humano partilha com a natureza, não usa os vis bichos alados que o intitulam de turista e não de viajante, funde-se nas imagens que absorve a todos os momentos, escolhe cada expressão como sua (seja em que dialecto for), aprende, renasce, desilude-se com o que pensava ser garantido, partilha o sorriso hospitaleiro e a desconfiança enternecedora, deixa de ser "ateniense ou grego, mas sim um cidadão do mundo". Património pessoal.

Persegue aqueles que ama como se do ultimo dia da sua vida se tratasse, cuida deles, acarinha-os e fá-los sentir especiais, porque sabe que a nossa esfera de afectos dá-nos a forma, a massa empírica de que somos feitos. Tem a plena consciência de que jamais seremos todos iguais, melhor, tem a clarividência de se aperceber que a sua visão é umbiguista, e recorre a todos os que preza quando necessita de outras lentes. Ama. Sem receios. Crê no amor.

Completa as suas viagens interiores sozinho. Dedica-se a si. Molda o contexto à sua volta de maneira a que consiga encaixar a vontade de aumentar o seu eixo. Busca o prazer. Mata a rotina num passo de dança estapafúrdio. Consegue fazer amor com o mar e sonha com mais ondas partilhadas com a sua menina. Consegue cantar a plenos pulmões as notas que lhe compõem a alegria, desinteressado em afinações, entediado com o silêncio.
Escreve. Lê. Escreve, escreve..


O homem mais rico do mundo possui Tempo. Tempo para poder ser homem. Tempo desperdiçável em apenas sê-lo. Os vícios de racíoncinio que o nosso processo de socialização nos foi criando, não existiam quando eramos crianças, quando tudo era novo, quando tinhamos Tempo para o podermos ser. Criança como sou, agora quero ser rico.
posted by P.A., 1:09 da manhã | link | 2 comments |

quinta-feira, julho 20, 2006

Acolhimento

s. m., acto ou modo de acolher;
recepção;
hospitalidade;
refúgio.

Um dia explorarei melhor todas as cambiantes do que faço no meu dia-a-dia. Mas pertenço a esta palavra. Agora só espero que a Dª Creuza já esteja junto do seu marido, no seu confortável lar em Minas Gerais. Que a suspirada frase em jeito de desespero - "reza por mim"- quando falou com ele ao telefone lhe tenha dado forças para a derradeira viagem a casa. Que o seu terrível pânico de morrer longe da terra que a viu nascer tenha passado.
Se fiz diferença? Não. Acolhi.
posted by P.A., 2:53 da manhã | link | 1 comments |

Vai uma dor de cabeça?



branco ou preto? indefinição ou certeza inabalável? marasmo ou turbulência fulgurante? caos? nórdico ao volante? sonata de Beethoven ou Infected Mushroom? ficas ou foges ("se fugir o bicho pega, se ficar o bicho come")? palavras voando sem algoritmo calculável ou secretismos silênciosos?
Sentes ou não sentes?


tudo isto e Muito mais num mundo dentro de si...todos os dias. Boa Noite.
posted by P.A., 2:32 da manhã | link | 1 comments |

sábado, julho 15, 2006

Manel, o Guerrilheiro

Um ser de estatura baixa, mas de corpo entroncado e enrijecido pela vida de esforço. A dois passos de uma fonte que de fonte já só ostenta o nome, mete conversa depois de pedir um cigarro que mal fuma. É um homem meio perdido, ora se aborrece com a nossa negação nas insistentes tentativas de nos pagar cervejas, ora ri descontroladamente quando lhe tecemos rasgados elogios à sua selecção de futebol. Mostra despudoradamente a grande falha na sua dentição inferior quando o faz e abana a cabeça dizendo "xxiiii!!Dou graças a Deus por aqui estar!Graças a Deus!!"

Manel, de seu nome, não se cansa de dizer que não nasceu em Luanda, nasceu no interior, numa cidade de nome de português importante. Não fez escola porque aos 7 anos as forças armadas deram-lhe uma arma para disparar e só após viver trinta e muitos anos com ela na mão, decidiu finalmente fugir. Fala-nos de um país de corruptos, de riquezas inimagináveis, de colonos afáveis mas que podiam, deviam, e eles tanto queriam, que não os tivessem abandonado assim. Confunde personagens e veste-os de bons e maus num discurso difuso e pertubado, e como poderemos censurar o discernimento de homem que já matou irmãos de armas por mando superior e escapou a fuzilamentos por casuais logísticas militares. Não condena o inimigo porém.
Condena a guerra. Condena a desordem de um país mergulhado em lutas fraticidas por poder, como se não existisse povo, como se a alma de um homem se vendesse ao tacto metálico da primeira vez que tocou numa Kalashnikov. E todo o Angolano a sabe manejar, diz Manel. Todo o Angolano é Guerrilheiro.

Manel, de seu nome, não se cansa de dar Graças a Deus por estar cá...entre os que podem gastar dinheiro naquela cervejinha gelada, e o acordar amanhã cedo não é duro. Que nada. Um dia virá a senhora e os meninos mas Manel aqui quer morrer. Diz não querer voltar e vemos no seu olhar a mesma expressão tresloucada com que imita os sons pertubadores das armas que lhe marcaram a vida.
Boaventura para ti que nunca foste menino.
posted by P.A., 9:05 da tarde | link | 1 comments |

segunda-feira, julho 10, 2006

O Hipopótamo e a Vaquinha

Esta estória é verídica. Foi observada por todos os felizardos que invejaram este amor.

Era uma vez um rio com margens verdejantes e férteis onde a natureza sorria diariamente a todos os animais que o visitavam. Existiam aqueles que usufriam da sua fluência rica apenas para matar a sede, outros faziam dele o seu mais precioso lar. De entre todos deste grupo os hipopótamos seriam aqueles que eram mais felizes. Os longos mergulhos, os bailados subaquácticos, a flutuação bocejada quando queriam que o sol lhes desse energias. Nas margens outro tipo de animais se serviam daquele verde banquete estival que a boa erva lhes dava. As regras de convivência cumpriam-se, os protocolos de respeito pelos contextos existênciais eram de agrado da Mãe Natureza e poder-se-ia dizer que o próprio Darwin se sentiria satisfeito por saber que todas as espécies estavam a seguir o caminho certo na sua evolução. Até ao dia. Uma vaquinha mais afoita aproximou-se em demasia da beira do rio e deu de caras com um hipopótamo que nunca tinha visto antes. Bom...mais tarde o amor a faria confessar de que já o tinha observado antes, mas como toda a gente sabe, quando a grande letra "A" está no ar dizem-se as maiores e maravilhosas mentiras. A curiosidade puxou a conversa, as diferenças entre ambos puxaram o interesse, o cupido dos animais (aqui invento sem nenhum preconceito, temos pena!) viu aquilo tudo e acertou-lhes em cheio. Começaram as longas horas de cumplicidades, os dias de olhares apaixonados, os meses de ternura e partilha de um mundo que era só deles. O resto do mundo? Incrédulos, descredibilizaram aquela paixão como sendo verdadeira, culparam a Mãe Natureza e tomaram-na por louca. Hipopótamos de um lado dizendo que talvez o nosso amigo um dia se tramasse quando tentasse comer relva e as vacas gozando com o previsivel afogamento da amiga ruminante. Indiferentes a todo este burburinho, continuavam duas metades de um só Sol, e o que os unia era justamente a liberdade que um tinha em mergulhar prazeirosamente nas suas àguas, e o vaguear pelo verde manto do outro, encontrando o lar para o seu amor naquele limite de margem em que a água lambia incessantemente a terra. Bons tempos. Leves. Ironicamente leves para personagens de tal envergadura carismática. Mas a mãe natureza foi-se apercebendo que existem regras inquebráveis e decidiu testar-lhes aquela fé. Passado o primeiro ano, a temperatura começou a aumentar brutalmente, o rio perdeu caudal, os pastos das margens perderam erva e o Hipopótamo e a Vaquinha permaneciam resolutos na afirmação da sua ligação, sem dúvida que as dificuldades eram maiores, aquele espacinho tão específico onde se podiam encontrar estava a ficar cada vez mais difícil de alcançar, o pobre coitado começou a ter de afastar cada vez mais para dentro do rio para conseguir ser engolido pelas àguas e a vaquinha procurava saciar a sua fome cada vez mais longe. Chegou ao ponto de ser visto um animal que normalmente era tão feliz nas suas tropelias no rio, andar enterrado na lama procurando quaquer vestígio de um sorriso perdido. Triste figura apresentava, um resquício do Hipopótamo que a Vaquinha em tempos tinha conhecido. Ela? Cada vez mais se perdia para longe, na sua incansável busca por erva que a alimentasse, entenda-se, a sua própria sobrevivência como ser dependia disso, fazia parte do que era, o alimento representava para si uma forma de conservação do seu ego, uma protecção que lhe era imposta.
Encontraram-se uma ultima vez. Falaram durante horas. Choraram. Falaram de esperanças e impossibilidades e de causas e consequências. Poucas respostas, no entanto.
Seguiram para outros rios e outras margens com a certeza de serem diferentes como um só.


Esta estória já foi um verso perdido numa época feliz.
Mas é real, que não hajam dúvidas.
Eu confirmo.
posted by P.A., 3:41 da manhã | link | 2 comments |

A garrafa de coca-cola

Penso já ter abordado este tópico anteriormente. Em boa verdade, acho que à medida que vou ganhando milhas de convivência com estas coisas apelidadas de humanos mais tenho a certeza de que já me questionei sobre este dilema deveras pertubador.
Porquê para mim azul e para ti verde? Que vejo eu a mais ou tu a menos? Será um toque freudiano que me adultera a cor de tal modo que apenas concebo a possibilidade de a observar assim, ou será mera teimosia de ambos em não admitirmos que ambos poderemos ver o mesmo mas sob perspectivas diferentes? E isso é ver a mesma coisa?
Os indianos que estão sujeitos a emboscadas de tigres usam na nuca umas máscaras que simulam uma face de olhos bem abertos porque diz-se que este animal nunca surpreende uma presa que os fite de frente. Qual é a perspectiva correcta? A do tigre que vê a presa afastar-se olhando para ele, ou o camponês que vira as costas ao perigo, correndo o risco de não lhe prever os movimentos?
Consigo absorver o conceito de que cada pessoa é um mundo, mas então o subsistir das sinergias emocionais que nos envolvem não pode resumir-se a química. Tem de existir uma comunicação e entendimentos paralelos que nos unam e nos façam percorrer o mesmo caminho.
Eu toco-te. Tu tocas-me. A garrafa de coca-cola cai do céu largada de um avião e a partir desse momento o recipiente da água suja do capitalismo transforma-se num sinal divino para um simples pastor perdido no meio de África. Eu toco-te. Tu tocas-me.
posted by P.A., 3:09 da manhã | link | 0 comments |

Bitter & Sweet



"Vanilla Sky" , versão hollywoodesca de um filme espanhol antigo chamado "Abre los ojos" tinha por mote uma frase que faz todo o sentido. Nunca poderás saborear o doce sem conheceres o amargo. Grande verdade. Depois de ver este meninos actuar e acreditarmos que nada nessa noite poderia deixar de ser perfeito, recebemos uma valente chapada da realidade sem perceber como e sobretudo porquê.
Que assim seja. Saboreámos o amargo. Mas que se lixe porque o doce foi bom, mas tão bom que o seu gosto vai perdurar durante muito tempo.

E era vê-los nos seus fatinhos aprumados a soltarem aquele perfume de Sul latino para uma multidão que extasiada se movia solta e feliz. Feliz, não. Diabéticamente feliz.
posted by P.A., 2:47 da manhã | link | 2 comments |

Dormência

Como um membro que não faz o que lhe pedimos.





Como um formigueiro mental atordoando reacções, colhendo o espaço e o tempo.



Como um sono demasiado longo ou um acordar demasiado vespertino.

Como um torpor emocional típico de um amorfo e egocêntrico ser.

Como te arrastas assim, como consegues respirar sem culpa, como consegues não dar toda a àgua que vês no poço de ti, como passas ao lado de mais um olhar que diz tudo, como cais em mais uma operação de fuga (de quem foges afinal??), como te levantas com toda essa inércia caótica e morta?
posted by P.A., 2:30 da manhã | link | 0 comments |

domingo, julho 09, 2006

A Vicentina


Logística pronta e muito stress nos entremeios, ruma-se ao Sul. O carro come o asfalto interminável das grandes rectas, a marilú presa no tejadilho queixa-se por melhores dias e as placas da auto-estrada demoram eternidades a dizerem-nos o que queremos ouvir. São azuis, é certo, mas também são francamente entediantes no que concerne à expectativa do destino.
"Sines - 130km » Dá-lhe gás que ainda falta bués."
"Sines - 80 km » Não te estiques que ainda ficas sem prancha."
"Sines - 45 km » Vê lá se a menina não quer ir à casa de banho porque depois na nacional é manhoso."
"Sines - 15 km » Tás quase lá puto, prepara-te para cheirar o mar."
...seriam assim tão mais uteis...

Abre-se o vidro e aquele cheiro inunda-nos os sentidos. A partir deste momento somos levados pelas sensações...toca-nos tudo, o misto de esteva com mata rasteira de duna, a assertoada luta entre os chorões e as camarinheiras, as rochas cheias de personalidade, os arrepios no espírito a cada vislumbre de mais uma falésia perdida, mais um areal inacessível aos menos audaciosos, as aldeias que se instalaram no tempo de à muito tempo atrás e as gentes que sabem que esse tempo nunca passou realmente, a dureza do visual que foi moldado pelos elementos, as côres quentes de tudo, o branco caiado da casa que contrasta com o rebordo azul da suas janelas e portas, o primeiro punhado de luzes que se acende quando o rosado do céu ainda não se entregou de vez à presença das estrelas, o pó que nos lembra que ali há origens, o vento que nos avisa que tudo tem a sua origem, o mar que tudo observa e onde tudo finda e onde eu encontro uma origem.

Mais um pôr-do-Sol dentro de água e eu estou aos gritos sozinho. Voam-me imagens de outros reencontros neste mesmo sítio. Cheguei a um centro. Um eixo. Um prolongamento do que sou em todos grãos de areia desta praia e todas as gotas desta àgua. Um Siddhartianismo se quiserem. Aqui acho sempre respostas. Se tenho a plena consciência que esta costa é a meca para outros tantos loucos das ondas, eu preservo os meus segredos bem guardados quando me perguntam porque não paro de sorrir. Não se explica...sente-se.



- "Sô Dª Maria...sabe o que estou dizendo?"
posted by P.A., 10:55 da tarde | link | 0 comments |